Italiano English Português Français

70 vezes 1100

Date 30-05-2025

 

Foto: Max Ferrero

Recentemente o Arsenal da Esperança alcançou a marca de 77.000 pessoas diferentes acolhidas, desde 1996, ou seja, no último dia 11 de abril de 2025 acolhemos o septuagésimo milésimo homem vindo de uma situação de rua. 77 mil pessoas que encontraram nesta casa pelo menos uma noite de hospitalidade, alguém que o acolhesse e o escutasse, um prato de comida, um banho quente, uma noite de descanso sem medo de morrer... pouca coisa, não é? 

Pouco ou muito que seja, o nosso objetivo de acolher um homem sem casa e sem rumo nunca é só responder as suas necessidades básicas, nem se substituir ao poder público, muito menos nos tornarmos uma única família de irmãos; o primeiro objetivo sempre será o de despertar em cada pessoa o “gostinho” da dignidade que tem um valor imensurável. Não cuidar da própria dignidade significa, na verdade, virar logo refém de qualquer coisa que proporciona um mínimo de “acolhida”: refém dos que excluem, mas também das pessoas que ajudam; refém das drogas e dos vícios; refém do dinheiro e da ilusão de se tornar rico sem fazer esforço; refém da certeza que não há futuro de qualquer maneira e, portanto – uma frase que ouvimos muito –: “Eu não tenho nada a perder!”; refém da incapacidade de se relacionar com os outros e, enfim, refém de um mundo de miséria que leva a repetir sempre, em continuação, os mesmos caminhos errados. 

No Arsenal da Esperança acreditamos que não faz sentido dividir as pessoas entre aquelas que ajudam e aquelas que precisam de ajuda. A nossa história fala de um lugar que quer transmitir a mensagem da esperança, o desafio de dilatar a capacidade de enxergar o próprio futuro. Muitas vezes, as pessoas empobrecidas têm um horizonte de futuro de um dia, de algumas horas, o tempo de uma refeição oferecida ou de uma roupa doada, o tempo de um pernoite. Tudo isso é muito importante, mas quanta esperança e quanto futuro cabem em tão pouco tempo?

O Arsenal da Esperança procura levantar o olhar de todos os que entram pela porta desta casa, seja daqueles que estão à procura de uma ajuda, seja daqueles que querem doar algo de si. Por isso, qualquer pessoa que passa por esta casa é acolhida. Nós não enxergamos um “homem em situação de rua”, mas sim uma pessoa com o próprio nome, a própria história de vida que tem dentro de si a possibilidade de recuperar e fortalecer a própria dignidade. Sempre acreditamos e acreditaremos nisso, mesmo quando os próprios acolhidos estão à procura de outras coisas ou de muito menos.

Muitos acreditam que as pessoas acolhidas no Arsenal sejam o descarte da sociedade, “lixo humano”, que não serve mais para nada e que não pode nem ser “reciclado” como se faz com o alumínio, o plástico e o papelão. Muitos aparentam mesmo não serem recuperáveis, mas este não é o ponto. Lembro ainda quando um grupo ligado à Igreja Católica veio nos visitar e, no término da visita, um deles comentou com muita naturalidade: “Não entendo porque vocês estão ainda perdendo tempo com estas pessoas. Precisa começar a educá-los quando são ainda crianças. Com estas pessoas não tem mais jeito!”. Ele estava pensando em proselitismo, nós, em vez, no ferido que o samaritano do Evangelho encontrou no caminho, socorreu e levou para a hospedaria. É deste ferido que estamos falando, idêntico a todos os que parecem se multiplicar a cada dia nas ruas da nossa cidade. O que faria hoje o bom samaritano? Talvez se tornaria voluntário do Arsenal ou até decidiria doar a vida junto conosco.

Quando me falaram que chegamos à marca de 77 mil pessoas diferentes acolhidas, logo me lembrei da resposta de Jesus quando Pedro lhe pergunta quantas vezes deveria perdoar o irmão: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18,22). Todos nós que de alguma forma participamos das atividades e da filosofia de trabalho do Arsenal e da Fraternidade da Esperança do SERMIG, podemos dizer, com muita humildade, mas também com um certo orgulho, que o Arsenal da Esperança, para manter sua porta aberta e acolher ininterruptamente ao longo de 29 anos, precisou perdoar 70 vezes 1.100, ou seja 77 mil.

Neste nosso tempo, no qual acolher uma pessoa se tornou cada vez mais difícil e complexo, não podemos mais pensar que a medida indicada por Jesus no Evangelho seja grande demais... pelo contrário, perdoar 70 vezes 7 é o mínimo. Mas neste momento histórico se torna necessário perdoar comunitariamente, procurando viver o mesmo desejo de Jesus: não perder ninguém daqueles que nos foram confiados. Sim, porque para abrir as portas de uma hospedaria como a nossa e deixar entrar diariamente centenas de pessoas machucadas pela vida e pelas próprias escolhas, é muito pouco oferecer uma cama, um prato de arroz e feijão, um banho, um curso – ainda que tudo isso seja oferecido da melhor forma possível – é indispensável oferecer principalmente uma possibilidade de recuperar a esperança e a própria dignidade e, além disso, ou antes disso, uma boa dose de misericórdia para quem acaba de chegar, quem quer que seja: aquele que já passou pela casa dez anos atrás e agora está retornando, aquele que saiu do presídio após ter cumprido a própria pena, aquele que fugiu do crime, o estrangeiro que procura espaço nesta nova terra; o jovem que encontrou nas drogas o seu único “amor”, mas também o idoso que não consegue mais se relacionar com a família e, inclusive, aquele que até um determinado momento viveu de assaltos e de roubos, aquele que matou... talvez eles não contêm nada disso, mas a gente sabe que não estamos acolhendo “santinhos”: talvez estes, que tanto estão machucados e nos machucam, podem encontrar – como tantas vezes vimos acontecer – o começo de uma nova forma de viver, aprendendo que, apesar de difícil e exigente, é melhor se dedicar ao esforço de resgatar a própria vida do que perdê-la.

Cada um que passou, que está ou que passará pelo Arsenal não é lixo, mas sim esperança. 

Pe. Lorenzo Nacheli

Missionário da Fraternidade da Esperança do SERMIG

O site utiliza cookies para fornecer serviços que melhoram a experiência de navegação dos usuários. Como usamos cookies

Ok