Arsenal da Esperança recebe a Salva de Prata
Date 27-12-2024
Foto: José Luiz Altieri
No dia 04 de dezembro de 2024, o Arsenal da Esperança recebeu a Salva de Prata, a mais importante honraria da Câmara Municipal de São Paulo, destinada a instituições com atuação de destaque na cidade.
Agradecemos ao vereador Carlos Bezerra Jr pelo reconhecimento, que foi o proponente da homenagem, à Cônsul Adjunta da Itália em São Paulo Marianna Haddad pelo pronunciamento e a todos que nos ajudam a abrir nossas portas initerruptamente há 28 anos.
A eles se dirige o seguinte texto que na ocasião nos foi enviado pelo fundador do SERMIG e do Arsenal da Esperança, Ernesto Olivero.
Caros amigos,
Gostaria de lhes expressar a minha gratidão e alegria pela honraria Salva de Prata que hoje nos é atribuído pelos 28 anos de trabalho do Arsenal da Esperança na cidade de São Paulo.
Lembro-me de nosso ingresso na Hospedaria dos Imigrantes e a emoção ao encontrar, entre aqueles muros, a memória de um passado de dor. Revivo a rápida transformação daqueles edifícios e espaços em Arsenal da Esperança, que em sua estrutura remetia fortemente ao Arsenal da Paz de Turim, a primeira fábrica de armas construída na Itália e a primeira a ser transformada em casa de paz e de acolhida. Lembro-me da escolha de chamar o ex DAIS de “Arsenal da Esperança”, para que aquela que, durante um tempo, foi chamada “casa da dor” tivesse uma nova vida ao dar esperança às pessoas acolhidas.
Não posso não me comover revivendo as dificuldades daqueles primeiros tempos, as decisões tomadas para poder acolher os novos hóspedes em espaços limpos, harmoniosos, onde recebessem alimentação adequada, cuidados, assistência, ajuda... Cada um dos passos foi fruto de atenção, escolhas, esforço exercido com cuidado e com amor.
Até alguns poucos anos atrás eu ia ao Brasil quase todos os meses e São Paulo era a minha cidade de adoção. Agora a saúde me impede, mas acreditem, meu coração está sempre aí, com os amigos brasileiros e italianos que há vinte e oito anos, a cada dia, se dedicaram e se dedicam à acolhida dos mais frágeis. Unidos por estima recíproca e fraterna amizade investimos todas as nossas energias para o bem comum e para o bem dos mais pobres.
Aos amigos da primeira hora e a todos aqueles que ao longo dos anos se uniram a nós, dedico este reconhecimento, como um agradecimento que chegue a cada um.
Eu o dedico a todos os voluntários e colaboradores que tornaram possível esta história de solidariedade. São eles os verdadeiros protagonistas desta aventura, pois sem eles teríamos feito muito pouco, o Arsenal seria uma simples casa de acolhida, mas graças a eles a nossa Casa hoje é uma grande família que acolhe.
Eu o dedico também a todos os acolhidos que nesses 28 anos passaram pelo Arsenal da Esperança, milhares e milhares de pessoas, muitas das quais lembramos já no Céu.
Este prestigioso reconhecimento nos torna ainda mais determinados no serviço aos mais frágeis e responsáveis no compromisso assumido com a Cidade de São Paulo.
Obrigado, de coração!
4 de dezembro de 2024
Ernesto Olivero
Fundador do SERMIG e do Arsenal da Esperança
Confira o depoimento do deputado Carlos Bezerra Jr:
Uma palavra que eu queria deixar aqui nessa noite muito especial, especial em vários sentidos e por isso eu queria destacar alguns desses sentidos: primeiro especial porque antes de iniciarmos me perguntaram na TV Câmara “Qual é a importância de atos como esses e de cerimônias como essas?” - Eu já estou no meu quarto mandato como Vereador; fui duas vezes Deputado Estadual; duas vezes Secretário: Secretário de Esportes, da gestão do Prefeito Bruno Covas; Secretário de Assistência Social até a metade desse ano da gestão do Prefeito Ricardo Nunes, e na minha carreira parlamentar e executiva eu destacaria que nós, vereadores parlamentares, temos 3 funções nesta casa [Câmara Municipal]: legislar; fiscalizar os atos do executivo debatendo os temas; e homenagear. São 3 atribuições que nos foram referendadas pela população paulistana, que nos elegeu para que estivéssemos aqui, e eu vou dizer para vocês sem medo de errar que para mim a mais complexa é homenagear. Porque eu entendo “homenagem” como algo sério, que deve ser feito com responsabilidade, que deve ser feito com critério, que deve ser feito com verdadeiro reconhecimento.
A gente vive um tempo na sociedade em que os valores vão se perdendo e que a gente precisa resistir o tempo todo, mas valores como solidariedade, amizade, lealdade, respeito ao ser humano, verdade, ética, são valores que nesta sociedade vão se perdendo, e as homenagens também de certa forma têm perdido seus valores. Homenagem quando não é feita com critério vira qualquer outra coisa, é circo, é show, é festa, e a homenagem quando não é feita com critério, ela por si só se desvaloriza, por si só se descredibiliza.
Foi pensando nisso que eu propus à Câmara Municipal e a todos os vereadores que nós votássemos aprovando um projeto de Lei, porque essa homenagem é feita por um projeto de Lei, o qual reconhecesse com a mais alta honraria dessa cidade o trabalho do Arsenal da Esperança, mas reconhecer o trabalho do Arsenal da Esperança é muito mais do que reconhecer uma instituição, também é reconhecer a instituição e aqueles que fazem essa instituição. É mais do que isso, é reconhecer o número de anônimos e de anônimas que fazem essa instituição estar viva nessa cidade, que são a alma desse trabalho e que escrevem a história do Arsenal. Ao longo de 28 anos quase 80 mil pessoas já foram acolhidas. Eu faço questão de falar 80 mil pessoas, porque são gente, é o Antônio, a Maria, o Cristiano, o Chico, pessoas que por uma contingência da vida se encontravam em situação de rua e que muitas vezes por causa dessa situação são vistos como sub-humanos, que são invisibilizados, numa sociedade egoísta, egocêntrica, materialista, desumanizada e desumanizadora. As pessoas não querem falar de população em situação de rua, as pessoas não gostam de falar, as pessoas não gostam de se aproximar, as pessoas não gostam de tocar ou de serem tocadas por pessoas em situação de rua, não querem saber de suas histórias. Lamentavelmente grande parcela da população e grande parcela também da classe política prefere fingir que essas pessoas não existem ou quando reconhecem que elas existem, mandam para o mais longe possível dos nossos olhos.
Mas homenagear o Arsenal é um ato de resistência, homenagear o Arsenal é reconhecer a subversão corajosa contida nesses heróis anônimos e heroínas anônimas que dedicam suas vidas em favor do outro, em favor não de qualquer outro, mas em favor do outro mais invisibilizado do nosso tempo. Isso tem seu preço. E eu, um antigo ativista social porque antes de ser político sou um ativista social, nunca tinha visto tão de perto o impacto da invisibilidade que atinge a população de rua e isso se estende a quem trabalha com a população de rua, a quem dedica sua vida à população de rua. A mesma invisibilidade, indignidade, desvalorização humana, que é voltada a essa população, também muitas vezes é voltada àqueles que com eles trabalham, é um trabalho complexo e difícil.
Enquanto fui Secretário, nunca fui um secretário de gabinete. Eu só resolvi propor essa homenagem depois de conhecer profundamente o trabalho do Arsenal. Eu já conhecia o trabalho do Arsenal antes de ter tido o privilégio de ser Secretário na cidade, conhecia o trabalho do Arsenal de ouvir falar, conhecia da referência à distância, mas quando me tornei Secretário eu passava setenta por cento do tempo fora do gabinete, na rua acompanhando as equipes, abordando as pessoas, conversando com a população de rua, vendo as condições de trabalho de quem estava na Secretaria dos Servidores, dos trabalhadores e das trabalhadoras. Acompanhando de perto para poder entender os desafios e para poder oferecer respostas que estavam de acordo com aquilo que as pessoas estavam vivenciando. Não apenas os trabalhadores, mas também as pessoas em situação de rua que eram assistidas nos equipamentos, as quais até hoje muitos deles conheço pelo nome, me tratam pelo nome, nos encontramos nas ruas dessa cidade. Mas conheci o trabalho do Arsenal e na primeira visita não conseguia mais sair.
O Arsenal quebrou os meus paradigmas conceituais, porque durante a minha gestão eu trabalhei para que grandes equipamentos que atendem muitas pessoas, grandes centros de acolhida fossem transformados em centros de acolhida de no máximo 200 pessoas, porque desde sempre (literatura, experiência, trabalho) acreditei que espaços menores sempre iam oferecer maior humanização, melhores condições de acolhimento, de acompanhamento... porque os centros que eu conhecia com mais de 300, 400, 600 pessoas eram depósitos de gente, mas eu conheci o Arsenal e eu não conseguia mais sair do Arsenal e perguntava para os Padres Simone e Lorenzo: "Como é que vocês atendem tanta gente? E conseguem dar conta com esse padrão, com essa dignidade, com esse respeito, com essa qualidade na porta de saída das pessoas que são capacitadas, que passam por treinamento, que conseguem encontrar um trabalho, que conseguem recuperar um novo sentido na vida... Como? Vocês estão me deixando confuso!”.
E aí eu conclui duas coisas que são cruciais no trabalho do Arsenal ao longo destes 28 anos: o primeiro elemento que destacaria são vocês que fazem o Arsenal - voluntários, gestores, trabalhadores, orientadores, apoiadores, enfim, vocês que são a alma do Arsenal. O Arsenal não é um prédio, apenas (que inclusive é muito lindo), o Arsenal é gente, é um arsenal de gente, é um arsenal de solidariedade, é um arsenal de paz, é um arsenal de vida, é um arsenal de esperança, é um arsenal de fé. Portanto, gente que faz a alma do Arsenal e a fé. Esses são os elementos diferenciais de vocês. Uma fé da qual me aproximo demais. Nos irmanamos, eu sou protestante e me irmano como cristão àquilo que vocês fazem porque mais do que anunciar o Evangelho, vocês vivenciam o Evangelho nas suas dimensões mais amplas: na promoção da justiça, da dignidade, do respeito à vida e isso faz toda a diferença
Essa mescla maravilhosa de gente de verdade, de gente solidária, de gente desprendida, que se doa com o elemento da fé, profundamente transformador, solidário, que também é um elemento necessário nestes dias em que a gente vivencia experiências de fé que lamentavelmente não vão nesta direção, mas sim do mercantilismo, da desumanização, do capital, do mercado e da objetivação de pessoas...
Por isso pensei que já tinha passado da hora que esta cidade, na sua principal casa de leis, no lugar da sua maior representatividade popular, em nome dos paulistanos e paulistanas dizer a cada um de vocês: "Muito obrigado!" ainda bem que vocês existem e São Paulo é menos injusta, menos desumana, menos violenta, porque vocês resolveram ousadamente substituir as armas pela PACE e é desse tipo de exemplo que a gente precisa homenagear, porque daqui a 50 anos, quando olharem os anais da Câmara Municipal, olhando para esse nome Arsenal da Esperança dirão: essas pessoas faziam toda a diferença na cidade de São Paulo e é por isso que a gente está junto aqui nesta noite. Deus abençoe a todos vocês, parabéns Arsenal, parabéns a todos vocês.
4 de dezembro de 2024
Carlos Bezerra Jr
Proponente da homenagem "Salva de Prata" ao Arsenal da Esperança
Editado por Arsenal da Esperança
Confira toda a cerimônia de entrega da Salva de Prata ao Arsenal da Esperança:
Confira alguns depoimentos, entre eles do Pe Simone Bernardi e do vereador Carlos Bezerra Jr: