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Carta do Fundador

Carta à Fraternidade e aos amigos

Maio de 2025

Caros amigos,

Mantemos em nosso coração a página da nossa Regra “Restituir-nos aos irmãos”

Oramos infinitas vezes

com as palavras de Jesus:

“Pai nosso...”

e quando “nosso” nos entra no coração

realmente descobrimos a irmandade

entre todos os homens, filhos do mesmo Pai.

A restituição dos nossos bens,

das nossas capacidades,

do nosso tempo e de cada recurso nosso

à humanidade que geme

é a consequência lógica disso.

Desde sempre temos no coração

as injustiças, a miséria, o subdesenvolvimento.

Compreendemos que para enfrentar

esses problemas que se alastram

é necessário que os bens do homem

sejam investidos em trabalho, educação,

assistência, desenvolvimento

em vez de em armas, pornografia,

poder televisivo, exploração...

Essa reconversão em todos os níveis

parte de nós,

de restituirmos nós mesmos e nossos bens,

de difundirmos essa mentalidade

entre todos aqueles que pudermos atingir.

A restituição se torna assim

também a nossa forma de financiamento.

Cada obra e cada serviço aos mais pobres

é fruto da nossa restituição

e da de tantos amigos que nos querem bem.

Consumamos, pois, para o nosso sustento

só o necessário para viver,

recordando sempre

que quem não possui o necessário,

maldiz quem possui demais.

Caros amigos,

Justamente em maio de sessenta-e-um anos atrás, se tivessem me dito que o SERMIG teria se tornado aquilo que é hoje, eu não teria acreditado. O Senhor nos pede para cultivar no coração sonhos grandes, mas ao mesmo tempo nos oferece uma cotidianidade para viver, nos convidando a segui-lo, a sermos simplesmente fiéis. Não se trata de planos diversos. O plano é o mesmo porque “quem é fiel no pouco também é fiel no muito” (cfr. Lc 16,10).

Nascemos com o sonho de contribuir no combate à fome no mundo. Éramos jovens, tínhamos no coração as misérias do mundo e nos parecia absurdo que tantas crianças não tivessem o necessário para viver, não pudessem ser curadas e nem ir à escola. Nos fazia mal pensar que existisse um “Terceiro mundo”. Desejávamos dar tudo de nós para contribuir a sustentar a causa do desenvolvimento. Começamos a fazer aquilo que estava dentro de nossas possibilidades: íamos às igrejas para arrecadar fundos, organizávamos coleta de materiais: trapos, ferro velho para depois revendê-lo. Explicávamos às pessoas que não se tratava de se desfazer daquilo que não servia, mas de nos oferecer alguma coisa que poderia ser vendida para nos permitir de ajudar concretamente os missionários.

Encontramos tantas testemunhas do Evangelho que nos ajudaram a mudar o nosso olhar para com os mais pobres: naquele momento a voz dos irmãos mais “frágeis” entrou no nosso balanço pessoal. Começamos a propor “um dia de trabalho” para passar das “ofertas esporádicas” à doação de um dia por mês do próprio trabalho. Significava compartilhar o “ganho” de um dia e dedicar tempo para aprofundar o conhecimento das situações de miséria no mundo. A proposta era aquela de se empenhar a trabalhar um dia por mês pelos outros, convidando-os simbolicamente à nossa mesa, junto ao resto da nossa família.

Ao longo do tempo, a oração mudou ainda mais o nosso modo de ajudar os pobres. A oração do Pai Nosso (Lc 6, 9-13) nos ajudou a compreender naquele “nosso” a presença de todos os homens e as mulheres do mundo, quem pensa como nós e quem pensa diferente de nós, quem tem a nossa mesma fé e quem tem uma outra ou não tem uma fé. Naquele “nosso” estão os famintos, os encarcerados, os doentes.

Se Deus é Pai, somos chamados a viver concretamente como irmãos. É assim que os pobres entraram cotidianamente na nossa vida: nos nossos pensamentos, nos nossos projetos, na nossa carteira, no nosso tempo. Estávamos no final dos anos 70 quando começamos a falar de “restituição”. Para mudar o mundo, para deixá-lo mais fraterno, começamos a mudar nós mesmos, a restituir a Deus, através dos irmãos, aquilo que erámos e tínhamos: tempo, cura, capacidades, recursos, a procurar um estilo de vida sóbrio e fraterno, para aprender a viver simplesmente, para que todos possam simplesmente viver (Dom Luciano Mendes de Almeida).

Não nos bastava mais um empenho de alguma hora na semana, sentíamos a necessidade de muito mais: um projeto de vida 24h por 24h. A restituição tornou-se assim a nossa revolução cultural, o nosso estilo de vida. A cada encontro fazíamos passar de mão em mão o saquinho da “restituição”.

Representava os pobres e os oprimidos e uma via de ajuda que não sabia de esmola, mas nascia do profundo respeito pela dignidade de cada homem. Sem muitas palavras, a oração e o saquinho da restituição nos levaram a viver o empenho pelos outros, 24h por 24h, 365 dias do ano. Não por obrigação, mas por amor: restituir a Deus tudo o que Dele nos foi doado, através dos irmãos, dando cumprimento e sentido a cada coisa.

Me diga então, [...] o que você tem que você não tenha recebido? [...] Não será você um ladrão que faz da riqueza concedida coisa própria? Ao faminto pertence o pão que você conserva, ao homem nu o casaco que guarda no baú, a quem vai descalço o sapato mofado na sua casa, ao necessitado o dinheiro que você guarda escondido. Assim você comete tanta injustiça quanto são as pessoas que você poderia doar. (São Basílio)

E ainda:

Não é seu o que dá ao pobre. Você não faz mais do que devolver o que a ele pertence. (Santo Ambrósio)

A restituição é o instrumento que cada um de nós tem entre as mãos para viver concretamente a sua fé. Quem não se partilha com os outros, quem não se faz pão para os outros, não vive o caminho de Jesus, vive uma fé abstrata que não tem nada a ver com o cristianismo.

A cada vez que falamos de Deus como um Pai cheio de amor por seus filhos, deixemo-nos olhar no rosto, sem medo de ser desmentidos, por aqueles filhos – nossos irmãos e irmãs – que não conhecem esse amor. O amor do qual nos amou Cristo, ao qual nos chama, não é um simples sentimento, mas é aproximação, acolhida, proximidade, serviço, é dar de comer ao faminto, acolher o estrangeiro, vestir quem está nu, visitar o doente e o encarcerado (cfr. Mt 25, 31-46).

Caros amigos, mantemos a restituição como empenho para os próximos meses porque faz bem sobretudo a nós: nos alarga o coração e nos deixa sempre mais irmãos de todos. E o primeiro irmão que encontrará mais espaço em nós será o próprio Jesus.

 

Ernesto e Maria

Turim, 25 de maio de 2025


*Maria Cerrato, esposa de Ernesto e cofundadora do SERMIG, que faleceu em 4 de maio de 2019.

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